The Lady in the lake seguido de Die 1000 Augen des Dr. Mabuse

Fernando Brito

Curadoria: Óscar Faria

29 Junho 2024 – 27 Julho 2024

© Carlos Campos 

Os mil olhos do Dr. Brito

Um dos trabalhos da exposição “The lady in the lake seguido de Die 1000 Augen des Dr. Mabuse” é uma obra inédita feita no âmbito do grupo Ases da Paleta — exposição única, em 1989, na Galeria Quadrum, em Lisboa — por um dos pseudónimos de Fernando Brito, o pintor de círculos Mimo Rodela, émulo do ultra-letrista italiano Mimmo Rotella.

Realizada sobre uma superfície rectangular em madeira, onde, sobre um fundo amarelo, Rodela pintou vários  círculos vermelhos perfeitos, esta obra constitui literalmente a porta de entrada para a exposição do ás da arte conceptual portuguesa, Fernando Brito — os seus companheiros do efémero grupo da paleta eram Pedro Portugal, Manuel João Vieira e João Paulo Feliciano.

Entre as várias obras apresentadas no Clube de Desenho, há uma série de pinturas com círculos, duas pop, numa evocações de Jasper Johns e António Areal, uma minimal, um ponto azul com alguma dimensão sobre fundo amarelo, e uma com a forma de um olho, que contém em si muitos outros, a intitulada “Die 1000 Augen des Dr. Mabuse”. Estes trabalhos, realizados no início dos anos 2000, provenientes de uma colecção privada, só este ano é que foram cortados, ficando assim com a sua forma definitiva.

Na sala da obra de Mimo Rodela, está ainda instalada uma outra porta, colocada, na horizontal, sobre dois cavaletes — material proveniente da sala de aulas do Clube de Desenho —, na qual se pode ver um dos cadernos de Fernando Brito, aberto de modo a ver-se um estudo do gesto conhecido como “o dedo do meio”, já conhecido desde a Grécia Antiga, e que pode ser visto quer como um insulto, quer como uma resposta humorada em contextos amigáveis. Desse mesmo caderno, selecionei um auto-retrato ou “máscara”: um dos muitos aí incluídos, juntamente com retratos de amigos, os quais formam um arquivo de desenhos ao qual recorre o artista em distintas situações, como a realização de uma banda desenhada.

Uma tese de doutoramento intitulada “O plinto na escultura”, realizada por um colega de Fernando Brito, enquanto este foi professor nas Caldas da Rainha, serviu de inspiração para uma peça agora terminada, mas há muito pensada: um cubo em plexiglas, com rodas por dentro e por fora, na qual o plinto é igual à escultura, não existindo nenhuma distinção entre os dois elementos.

Finalmente, existem dois trabalhos com o título “The lady in the lake”. Mostrada no Clube de Desenho fora do cubo em plexiglas, que não coube na carrinha de transporte, a primeira destas obras é uma imagem quadrada onde se vê a imagem da água de uma piscina. A outra, uma superfície espelhada com flores artificiais, em plástico, adquiridas numa loja chinesa.

Ambas convocam uma cena do policial homónimo de Raymond Chandler, escrito em 1943: a descrição do aparecimento do corpo de uma mulher vindo das profundezas de um lago.

O título da exposição inclui três línguas: inglês, português e alemão. “The lady in the lake” faz parte da saga que tem como personagem principal o detective privado Philip Marlowe. “seguido de”, evoca as sessões duplas de cinemas, habituais ainda há não muito tempo. “Die 1000 Augen des Dr. Mabuse” é o último filme de uma trilogia iniciada com “Dr. Mabuse” (1922) e continuada em “O testamento de Dr. Mabuse” (1933).

Existe uma versão cinematográfica de “The lady in the lake” (1947), “film noir” realizado por Robert Montgomery, que, nesta sua obra de estreia, introduz uma inovação: todas as cenas são vistas do ponto de vista de Philip Marlowe, sendo que os diferentes personagens dirigem-se ao detective falando diretamente para a câmara. O realizador também é visto em alguns momentos, como quando apresenta e encerra o caso. Durante o desenrolar da história, ouve-se a sua voz ou vêem-se as suas mãos: nessas cenas, o rosto de Marlowe só aparece quando ele se olha ao espelho.

O Dr. Mabuse é um personagem de ficção que surge, em 1921, no livro “Dr. Mabuse, o jogador”, do escritor luxemburguês Norbert Jacques. Mestre do disfarce e da hipnose telepática conhecido por empregar a transferência corporal, não só através da possessão demoníaca, mas também servindo-se da televisão ou do fonógrafo para construir uma “sociedade do crime”, o Dr. Mabuse raramente comete uma ilegalidade com as próprias mãos, preferindo antes operar através de uma rede de agentes que executam os seus esquemas.

Por outro lado, Philip Marlowe é alcoólico e na sua vida adopta uma atitude contemplativa. Gosta de xadrez e de poesia e não se escusa a recorrer à violência quando é necessário. Nas suas aventuras são recorrentes as “femmes fatales” — com os 6 livros protagonizados por esta personagem, Raymond Chandler elevou o policial ao estatuto de obra de art.

“Os mil olhos do Dr. Mabuse” é um filme policial franco-italo-alemão de 1960, realizado por Fritz Lang. O argumento é de Heinz Oskar Wuttig e do próprio Lang, e baseia-se no romance de Jan Fethke “Mr. Tot Aĉetas Mil Okulojn” (1931), originalmente escrito em esperanto — o excessivo uso de sufixos pelo autor, como na sua obra anterior “Saltego trans Jarmiloj”, desaparece neste romance.

Óscar Faria, 2024

Fernando Brito nasceu na Pampilhosa da Serra, em 1957. Vive e trabalha no Baixinho, Santarém. Licenciado em Pintura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, em 1983, o seu percurso expositivo tem-se desenvolvido, em grande medida, no âmbito de projectos colectivos como Homeostética (1982-1987), Ases da Paleta (1989) ou Orgasmo Carlos (activo desde 2003).
Entre as suas exposições individuais destacam-se as realizadas na Galeria Quadrum, Lisboa (1990 e 1993); na Galeria Olha Lá, Centro Cultural de Lisboa, Lisboa (1993); “Confidential Report – Deux ans de vacances”, Galeria Presença, Porto (2007); “Der Geist Unserer Zeit”, Palácio Vila Flor, Guimarães, (2010); “Ich bin ein Baixinher”, Chiado 8, Lisboa (2010); “A man should always have an occupation of some kind”, Sismógrafo, Porto (2020); e “Budonga”, ZDB, Lisboa (2021).
Fernando Brito estabeleceu três grandes categorias que organizam todo o seu trabalho: Confidential Report (da longa-metragem de Orson Welles), Home Sweet Home e Magic Town (da longa-metragem de William Wellman).

Equipa:

Direção Artística: Clube de Desenho

Curadoria: Óscar Faria

Desenho de Exposição: Fernando Brito e Óscar Faria

Montagem: Carlos Pinheiro

Produção: Sofia Barreira

Comunicação: Irene Loureiro e Sofia Barreira

Registo Fotográfico: Carlos Campos

Material Gráfico: Adriana Assunção

Agradecimentos: Carla Reis, Manuel Brito, Genesis Bastos, Alfredo Santos, Edgar Massul, Diniz Luz e Filomena Faria

© Carlos Campos

© Carlos Campos

© Carlos Campos

© Carlos Campos

© Carlos Campos

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