Persona Pictórica

Ricardo Leite

 

9 Set. – 21 Out. 2023

© Pedro Nascimento

Encenar uma composição

Por uma relação de gestos simples é-nos dado aceder às mais elaboradas composições. Propósito primórdio o de querermos assegurar uma existência no plano bidimensional. Como se por este plano bidimensional nos fosse asseverada a relação com o mistério. Buscamos uma evidência, uma elucidação que na sua concepção reflita desafiantes soluções e nos confronte com resultados de equilíbrio e sensibilidade. Somos convocados por uma necessidade interior que nos instiga a curiosidade, dirigindo-nos para as mais diversas sensações e intuições. A percepção está na base da nossa irremediável vontade de querer testemunhar a existência. Queremos assegurar que presenciamos o saber, que somos testemunho de uma verdade que se afirma e que nela vivemos respostas, impressões, sensações. Não deixa de ser necessário tomar em consideração que a percepção traz em si a complexa organização de meios de interpretação e inteligência sensorial que se instala no nosso sistema nervoso. Quando aludimos aos processos criativos, estamos invariavelmente a aceder ao campo sensitivo que pela sua essência nos possibilita as mais profícuas experiências.

A pintura desenvolvida por Ricardo Leite é feita de forma muito cuidada e sustentada por uma exigente consciência do saber da observação e de uma escrupulosa prática do ofício. Vem apurando a práxis que dedica à autorrepresentação, não se resignando permanecer num iterar de soluções formais que o deixem estagnado, mas pelo contrário, apura resoluções e origina incentivos capazes de dar novas desenvolturas ao uso do seu corpo como modelo. Promove o uso de adereços, que se integram na composição numa articulação com espaço arquitectónico de modo muito complementar ao equilíbrio das formas.

Ricardo Leite já o referiu algumas vezes, que acabou a usar o seu corpo como recurso para o desenvolvimento do seu trabalho pela total disponibilidade que tinha do modelo e pela exigência que este lhe veio a impor. Entramos aqui num campo que nos deixa a possível análise, o que é a presença do pintor enquanto modelo de si mesmo? Não fico neutro às afirmações do Ricardo quando nos revela que na sua experiência de representação enquanto actor o que mais o atraia era “a liberdade de poder imaginar “ser” outro”. É porventura por esta via que toma a liberdade de ser ele pelos outros, nos retratos que faz, no que procura encontrar nas personagens que se detêm na sua observação, porque aqueles que posam para o Ricardo, estarão imbuídos de uma certa representação. Por outro lado, há uma pesquisa de encenação dos modelos, para darem respostas aos propósitos plásticos e picturais. São convocados corpos, objectos, móveis, tecidos, papeis, tapetes, caveiras, flores, peluches, entre outros, que trazem para a pintura uma abertura à análise das texturas, das formas, das cores que na sua organicidade e diálogo provocam a nossa atenção e nos cativam a sensibilidade. Há um princípio de encenação que é o estímulo no desenvolvimento da pintura, encenação essa que se torna composição. Relações que se estabelecem e se organizam no espaço, conquistando harmonias e equilíbrios tão audazes quanto a liberdade de criar. Ricardo, nesta exposição, convoca-nos para uma apreciação abrangente, pela selecção de obras apresentadas. Marionetas que se fazem existir, plantas que se deixam representar, olhares que nos fixam de modelos que foram pose, o pintor que se interpreta por gestos reflectidos. Tudo isto é pintura que na sua essência tem a expedição do pintor pelas mais variadas geografias, de onde vai beber dos seus pares, para que a cada nova criação se revelem as personagens que nos convocam à definição da Persona Pictórica.

António Gonçalves, 2023

RICARDO LEITE, 1970. Vive e trabalha no Porto.

Após uma iniciação teatral como actor entra para o curso de Artes Plásticas – Pintura.
Segue-se uma dedicação ininterrupta à pintura e ao desenho, assinalada em 2022 pela publicação do livro Ricardo Leite – Pinturas e Desenhos que reúne uma parte representativa da sua obra, com textos de José-Augusto França e Raquel Henriques da Silva, editado pela editora Caleidoscópio.

Em 2022 colobora no espectáculo Jardineiro Imaginário com encenação de Isabel Barros do Teatro de Marionetas do Porto enquanto criador das marionetas. Em 2021 foi consultor artístico na peça O Julgamento de Ubu pelo Teatro Nacional de S. João e Teatro das Marionetas do Porto, com texto de Simon Stephens e encenação de Nuno M. Cardoso.

Das exposições que tem vindo a realizar destacam-se a de 2021, Nu, na Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, comissariada por José Rosinhas e a de 2018, 22 Retratos, no Museu Nacional Soares dos Reis, Porto, comissariada pelo Professor José-Augusto França, que reuniu retratos de personalidades da vida cultural nacional.

Em 2014 realizou o retrato oficial do Professor José-Augusto França que agora é propriedade da Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa.

Em 2006 foi-lhe atribuído o Prémio Revelação de Pintura Caixa Geral de Depósitos /Centro Nacional de Cultura.

Em 2000 participou na Exposição do BP/Amoco Award na National Portrait Gallery, Londres e na Aberdeen Gallery, Aberdeen. Nesse ano venceu o Prémio da I Bienal de Pintura Arte Jovem de Penafiel.

www.ricardoleite.com

Equipa:

 

Direção Artística e Curadoria: Clube de Desenho

Desenho de Exposição e Montagem: Carlos Pinheiro, Marco Mendes, Ricardo Leite e Sofia Barreira

Produção e Comunicação: Sofia Barreira

Registo Fotográfo: Pedro Nascimento 

Material Gráfico: Adriana Assunção 

© Pedro Nascimento

© Pedro Nascimento

© Pedro Nascimento

© Pedro Nascimento

© Pedro Nascimento

Apoios: