Juventude
Marco Mendes
18 Junho – 23 Julho 2022
De como o silêncio tem muitos sons
Desenganem-se aqueles que pensam estar perante um livro de imagens (quadros, ilustrações etc) que o autor foi pintando ao longo de um tempo, e que ilustrará o que foram momentos da sua Juventude.
Claro que sim, mas mais importante do que isso, claro que não. Não se trata disso. Não estamos perante uma colecção de momentos avulso em torno de um tema. O que não quer dizer que não estejamos.
Na realidade, efectivamente estamos. Mas estamos, na verdade essencial, perante uma narrativa gráfica, aquilo que podemos e devemos designar como banda desenhada (ou uma qualquer outra das designações que ao longo dos anos tem designado esta arte e esta linguagem).
Desenganem-se também aqueles que, perante a evidência do autor ter escolhido colocar uma imagem por página, surgem afoitos a negar essa realidade.
Na verdade, o que Marco Mendes nos traz é uma história, como aliás tem vindo a fazer sempre, desde o início da sua carreira como autor de BD.
E sendo um dos autores mais originais na BD portuguesa, e, aqui estou já a entrar no domínio da opinião e no da defesa deste projecto e desta obra, fá-lo de uma maneira diferente do que se poderia esperar.
A sua matéria-prima continua a ser a sua própria vida (como o título deixa adivinhar, e como todos aqueles que conhecem a já considerável obra do Marco sabem). Mas, obviamente, ficcionando aqui e ali, e transformando por esta via a sua vida concreta numa vida maior, semelhante e próxima de muitas vidas, nas suas alegrias e tristezas.
Desta vez a novidade é o silêncio. Que emana da opção do autor de tudo contar sem muletas explicativas, de recorrer apenas à imagem e deixar-nos a nós desfrutar da história, da que lá está e da que podemos construir a partir dela. Das palavras que podemos pôr naqueles personagens. Da beleza da contemplação de uma juventude rica e bem vivida – igual a tantas outras – mas bem específica e original. Desprende-se desta narrativa uma quase nostalgia das coisas simples, uma aceitação e pacificação, com os seus lados mais negativos ou menos felizes, uma catarse necessária e comum para a passagem a uma idade adulta, que o autor já atingiu, e que assim lhe permite este olhar, esta calma e satisfação, que só a contemplação perene de um pôr-do-sol permite. Nada de novo. O autor tem vindo a dedicar-se à tarefa desde sempre. O recuo à juventude (obriga? permite?) deixar de fora alguma ironia sobre si mesmo e sobre a sua própria vida, características que o autor pratica amiúde na sua obra, e que constituem mesmo uma característica essencial das crónicas com que nos tem brindado sob a égide do seu “Diário Rasgado”.
Mas, se podemos sentir falta da sua ironia e do seu bom humor nesta obra de evocação de uma fase essencial da vida de qualquer um, ganhamos em subtileza, em contemplação, em pacificação, em suma, em elogio catártico do pleno da vida, mesmo com altos e baixos, mesmo com a doença e o amor, faces da mesma moeda que o autor evoca, e onde se adivinha uma necessidade e uma anunciação de partir para a frente, de aproveitar a evocação da Juventude como forma de pacificação com a idade adulta.
E a toda esta catarse não será alheia a forma plástica ou a estratégia artística escolhida (ele que não é pintor de formação) para retratar este seu período de vida. Óleos e pastéis alternam-se subtil e anarquicamente, cruzando forma e conteúdo de uma forma que se adivinha indutora de um grande prazer plástico e de uma grande satisfação artística.
Ultrapassadas as cerca de cem páginas que contam esta história, apetece seguramente voltar atrás e reler (sim, reler!), com mais calma, e apreciar, com mais detalhe, a excelência das imagens que a contam. Se o leitor se sentir contagiado com a nostalgia emanada, e pacificado – mesmo que por breves momentos – com a sua própria vida, aconteceu arte.
O resto da história, mais alegre ou mais triste, com mais ou menos ironia e humor, com mais fatalidades e inutilidades, anda já aí nas restantes obras do Marco, e terá seguramente continuidade naquelas que ainda terá para nos dar.
Júlio Eme
Biografia
Marco Mendes, 1978. Vive e trabalha no Porto. Autor de banda desenhada, artista plástico, professor e investigador. Membro Fundador do Clube de Desenho, (associação dedicada à formação, exposição e divulgação desta arte) no Porto. Publicou as novelas gráficas Diário Rasgado, Zombie e Tutti Frutti, pela editora Turbina/Mundo Fantasma e o álbum de desenhos Anos Dourados, numa parceria entre a mesma editora e o Colégio das Artes, em Coimbra.
Equipa:
Direção Artística e Curadoria: Clube de Desenho
Desenho de Exposição e Montagem: Marco Mendes, Sofia Barreira
Assistência de Montagem: Carlos Pinheiro, Diogo Nogueira
Produção: Sofia Barreira
Material Gráfico: Carlos Pinheiro