FARO
JOSÉ ALMEIDA PEREIRA
01 Março – 12 Abril 2025
Pensava Jade(1) que tinha perdido a orientação e, desconcertado, adentrou naquela tempestade ensurdecedora em direção a algo que ainda não conseguia perceber muito bem. Mas, no fundo, aquilo não era senão o caminho para a descoberta de outras sensorialidades muito mais além das olfativas. Esta intuição não seria apenas um farejar confuso e desorientado, mas sim um movimento de procura para outro tempo: o tempo da atenção extrema, o tempo da infinidade, o tempo do retorno à própria experiência do tempo… a experiência da liberdade necessária para testemunhar e celebrar a existência e as suas recordações.
As imagens, não apenas como representações visuais, mas também como presenças que nos interpelam, oferecem-nos esse tempo para desenvolvermos algum tipo de instinto. Mas por vezes, é difícil parar no tempo que essas imagens nos reclamam. Diria, até, que nos contorcemos por dentro, extraindo conclusões momentâneas como sinais de eloquência forçada. E mesmo sem total precisão, estamos aqui muito próximas de um tipo de intuição… farejante. Ocupamos um lugar, aquele a que pensávamos corresponder, para saudar assim todas as formas de conhecimento que auxiliam e condicionam a curiosidade do nosso olhar.
Devagar e persuadidas como Jade, através das linhas, das cores, das manchas e dos cheiros que as imagens destes trabalhos de José nos oferecem, pensamos logo que nunca mais será possível conjugar a sua pintura sem atender ao enredo vital e complexo, do qual fazemos parte enquanto sujeitos expostos a uma interdependência de condições e de espécies. E é assim que vivemos, um dia diante do outro. Um dia após o outro. Utilizando a primeira pessoa do plural. Nós (como as imagens) negociamos as formas de afirmar aquilo que nos conecta. Um querer ser, e preferir representarmo-nos juntas. Fazer do espaço cotidiano um lugar de companhia. Apresentar o tempo, no qual habitamos, com uma elasticidade tal que possibilita o aparecimento da atenção profunda, da vulnerabilidade, da sensibilidade do que nos envolve e, inevitavelmente, do desconcerto perante todas as coisas que não percebemos. A pintura do José é, também, conjugar em cada gesto a primeira pessoa do plural.
Partindo daquilo que nos é mais íntimo, e sem medo de nos mostrar indefesas, todas estas imagens e objetos declaram-nos uma brutal vontade pela intensificação da vida. O correr dos rios, a imponência das montanhas, as árvores, insetos, pedras e líquenes, alimentam uma história de amor: a dos simples pormenores da vida. Uma história multiplicada em camadas de veladuras, traços, gestos e expressões sensíveis. Imagens, que se observarmos a partir de um plano fixo equidistante, com aquele olhar técnico de quem busca a destreza no desempenho da linguagem pictórica, certamente chegaremos ao abismo da desorientação.
Mas é assim, novamente, como Jade, que seremos arrastadas para o interior da tempestade, em direção ao pânico de perceber com todos os sentidos possíveis. E a partir daqui escorregamos então, sobre a relva dos mais amplos prados, jamais imaginados, repousando de seguida ao abrigo da espessa, e macia gordura da tinta na tela. E já deitadas, exaustas, fitando o nosso olhar, sem pronunciar qualquer palavra, cegadas pela abundância de tanta felicidade virá, talvez, o conhecimento.
É por isto que não consigo pensar numa forma melhor de nos relacionarmos com todas estas imagens a não ser com a sensação de estarmos cegadas por elas. Cegadas para aprender a olhar o mundo com todos os sentidos – o olfato incluído.
(1) Jade é o nome do protagonista do texto, Amar um Cão de Maria Gabriela Llansol. Um texto Incluído no livro O senhor de Herbais: breves ensaios literários sobre a reprodução estética do mundo, e suas tentações / Lisboa. Relógio D’água, 2002.
Juan Luis Toboso, 2025
Biografia:
José Almeida Pereira (Guimarães, 1979), vive e trabalha no Porto.
Frequentou os Estudos independentes da Maumaus (2012), fez a licenciatura e mestrado na Faculdade de Belas Artes do Porto (2005, 2008).
Os seus trabalhos foram apresentados em exposições como:
Pintura Provocação (Coleção EDP, Galeria do Parque, Vila Nova da Barquinha, 2024), Pletora (Galeria Kubik, 2024), Radiação da Sombra ((A)artes, Porto, 2022), Ball de Tornada (Galeria Lehmann+Silva, 2021), Quando a Terra voltar a brilhar verde para ti (Museu da Cidade, Porto, 2021), Ensaio para uma comunidade – Retrato de uma coleção em construção (MAAT, Lisboa, 2021), Trabalho Capital (Centro de Arte Oliva, 2019), Anuário (Galeria Municipal do Porto, 2019), Do tirar polo natural (Museu Nacional de Arte Antiga, 2018). Variation portuguese (CAC, Meymac, France, 2018), Simulabor (Galeria Graça Brandão, 2017), Bufos (CCVF, Guimarães, 2017), Panorama (Q22 no Colégio das Artes, 2016), O fazer falso (Espaço AZ, Lisboa, 2015), Sub 40 (Galeria Municipal do Porto, 2014), Zeros e uns (Galeria Fernando Santos, 2011), Louro (2008, Galeria Fernando Santos).
Equipa:
Direção Artística: Clube de Desenho
Curadoria: Juan Luis Toboso
Desenho de Exposição: José Almeida Pereira, Juan Luis Toboso
Montagem: Carlos Pinheiro, Gil Madeira, José Almeida Pereira e Sofia Barreira
Produção: Sofia Barreira
Comunicação: Irene Loureiro e Sofia Barreira
Material Gráfico: Adriana Assunção
Fotografia: Diogo Nogueira
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